Era um momento de grande euforia. Com a declaração do final da Segunda Guerra Mundial, um otimismo invadia as ruas e oferecia a certeza de dias melhores. Neste mesmo ano, 1945, embalada pelo contexto, foi fundada a Organização das Nações Unidas (ONU). O lugar escolhido para a sede foi a vibrante cidade de Nova York e o projeto seria concebido por um grupo internacional composto por arquitetos especialmente selecionados e convidados.
Para essa empreitada multicultural e multiarquitetônica, onze gigantes da arquitetura foram chamados de todos os cantos do mundo. Com seus egos inflados, característica da profissão ainda mais ressaltada naquela geração, os arquitetos que, até então eram acostumados a reinar soberanos sobre sua arquitetura e países, se viram compartilhando não apenas uma sala, mas também um projeto. O evento por si só, se executado com sucesso, já seria um tremendo exemplo de que a paz mundial era possível.
Wallace K. Harrison, estadunidense e líder do grupo, estudou arquitetura em Paris, desenvolvendo uma grande admiração por Le Corbusier. Harrison era uma peça importante, não apenas por ser o responsável pelo único grande arranha-céu existente até o momento na cidade de Nova York, o Rockfeller Center, mas também por ter como missão usar a sua generosidade e diplomacia para guiar o grupo. Nesse quesito, dentre todos os arquitetos convidados, desde o inicio Harrison se mostrou particularmente preocupado com Le Corbusier, já conhecido pela inflexibilidade de ideias.
O grande responsável pela postulação do modernismo, com suas cidades futuristas e torres sobre pilotis, Le Corbusier era um dos mais experientes no grupo e trazia como bagagem uma carreira impressionante. Além disso, apresentava suas ideias de forma coerente com conceitos fortes e interessantes, o que já era de se esperar. Como, então, não seria ele o responsável principal pelo projeto? Era algo que, aparentemente, fora difícil de aceitar, tanto que ele próprio se denominava o mestre do projeto, enquanto os outros eram seus colaboradores. E esse se tornou, portanto, um dos maiores desafios que Harrison precisou enfrentar ao administrar a situação em um jogo de cintura entre manter controle e respeitar os egos.
Oscar Niemeyer, outro convidado ilustre, apesar de já ser reconhecido internacionalmente, principalmente por seu Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de 1939, estava ainda iniciando sua carreira, sendo um dos menos experientes do grupo. Entretanto, o jovem comunista, que quase teve sua entrada barrada justamente pela filiação ao partido, era visto como um dos talentos mais originais da sua geração. Os arquitetos que trabalharam no projeto afirmavam que Niemeyer era acolhedor e de fácil diálogo.
Com o desenvolvimento do projeto, as ideias de Le Corbusier acabaram prevalecendo, seja por mérito, seja por respeito. No entanto, vale ressaltar que alguns arquitetos não eram totalmente a favor da implantação do projeto materializado em uma enorme torre no centro do terreno. Um deles era Niemeyer, que preferiu não se manifestar e acolher as ideias do mestre. Pelo menos inicialmente.
Todavia, no meio processo, Le Corbusier foi solicitado com urgência em seu escritório na França, sendo obrigado a se afastar temporariamente do projeto. Nesse momento, a ideias acabam tomando outro rumo. Aproveitando-se da ausência, Harrison buscou dar protagonismo aos demais participantes. A essa altura, Niemeyer mal aparecia nas reuniões e pouco interagia. Ao perceber a situação, Harrison chamou-o para uma conversa e disse que esperava dele uma proposta, afinal, foi para isso que tinha sido convidado. O brasileiro, entretanto, afirmou que não achava necessário, ou em outras palavras, não se sentia confortável em propor um desenho pois ele já estava sendo desenvolvido por Le Corbusier, o qual, no inicio do processo deixou bem claro ao jovem arquiteto que ele estava ali apenas para colaborar. Apesar disso, Niemeyer atendeu ao pedido de Harrison, mas antes de iniciar o desenvolvimento da sua proposta o alertou: “você vai fazer confusão”.
A proposta, como já se esperava, era completamente diferente da apresentada por Le Corbusier. Niemeyer dividia o terreno em três prédios e criava um espaço aberto entre o limite da cidade e o rio. A proposta 17, como foi numerada, logo de cara conquistou Harrison e a maioria do grupo.
Ao retornar de Paris, Le Corbusier trouxe com ele Vladimir Bodiansky, um antigo colega que veio com o objetivo de ajudar a reforçar suas ideias. Até então, a proposta 23, do mestre franco-suíço, era formada por um grande bloco mais baixo que dominaria o centro do terreno e abrigaria a sala de conferências e o Conselho.
Os ânimos realmente se exaltaram quando Le Corbusier foi comunicado que a proposta do jovem brasileiro havia sido escolhida. Visivelmente incomodado, argumentou que todo o bloco deveria ser uma forma única, pura e simples, tecendo diferentes críticas ao projeto. Niemeyer, por sua vez, não apareceu no encontro seguinte alegando um resfriado. Porém, a sua ausência foi temporária e nas próximas reuniões, o jovem arquiteto apresentou sua proposta revisada, incorporando algumas ideias de outros arquitetos e também de Le Corbusier. O projeto numerado como 32, encantou a todos. Bem, quase todos. Le Corbusier ainda insistia na sua proposta e o confronto final entre os dois estava prestes a acontecer.
Era chegada a hora de decidir qual desenho seria levado à cabo e Harrison, responsável pela decisão, fez jus ao seu papel no grupo e anunciou a proposta com uma maestria diplomática impecável: “face às dificuldades e o tempo que temos, concluo que o único desses esboços que é completamente satisfatório é uma das primeiras ideias de Le Corbusier que foi levada adiante e desenhada por Oscar Niemeyer”. Logo em seguida, o arquiteto franco-suíço agradeceu a fala e se disse muito satisfeito com o que tinha acabado de ouvir. Externamente, o mestre parecia ter aceitado a decisão, entretanto, nos bastidores, tinha seu ego ferido.
O desfecho se deu quando Le Corbusier pediu a Niemeyer que situasse a assembleia no centro do terreno, no lugar da praça, em uma clara disparidade em relação ao entendimento hierárquico do projeto. O jovem arquiteto, mesmo contrariado, atacou a sugestão e a proposta escolhida se tornou 23/32, a junção entre as duas ideias. Tempo depois, enquanto almoçavam, Le Corbusier disse: “você foi generoso”. Mesmo não estendendo o assunto, Niemeyer entendeu que se tratava do projeto da ONU. Nos últimos anos de vida, entretanto, o arquiteto brasileiro afirmou em entrevista que se fosse “hoje” ele não acataria à ideia de Le Corbusier, pois nunca acreditou que seria melhor para o projeto. Na época, porém, ele era muito jovem e achou por bem respeitá-lo.
Após esse processo, entre egos mortos e feridos, no dia 24 de outubro de 1949, a Sede das Nações Unidas em Nova York foi inaugurada reunindo pessoas de diferentes culturas e países, mostrando que respeitar e acolher as pluralidades nem sempre é um exercício fácil, mas é definitivamente recompensador.
Para conhecer mais detalhes sobre a história da sede das Nações Unidas, incluindo filmagens e fotos da época, assista ao documentário que serviu de referência para esse texto: “Oficina para a paz; a construção da sede da ONU".